Direito Adquirido na Micro e Minigeração Distribuída
As mudanças no setor de energia no Brasil, especialmente no segmento da geração distribuída, têm gerado intensos debates. A implementação gradual dos dispositivos da Lei nº 14.300/2022 é frequentemente questionada por diferentes atores. Muitas vezes, são levantadas discussões relacionadas ao direito adquirido na geração distribuída, algumas das quais acompanhadas de desinformações que dificultam ainda mais a compreensão desse cenário complexo.
Assim, é crucial compreender os conceitos e princípios fundamentados na legislação vigente, sobretudo em um cenário de mudanças regulatórias e transformações significativas no setor elétrico brasileiro.
O direito adquirido, previsto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, garante que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Para que um direito seja considerado adquirido, ele deve estar consolidado sob uma norma anterior, sendo protegido de alterações retroativas por legislações subsequentes.
A Resolução Normativa nº 482 da ANEEL
A Micro e minigeração distribuída é a modalidade que permite que consumidores produzam sua própria energia, geralmente utilizando fontes renováveis, como solar e eólica. Essa modalidade foi regulamentada pela primeira vez em 2012, com a Resolução Normativa nº 482 da ANEEL, que instituiu as diretrizes gerais para a injeção de energia nos sistemas de distribuição, e as bases no modelo de Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE).
No entanto, como se tratava de uma norma infralegal, seu caráter era precário, passível de alterações a qualquer momento, sem garantir o direito adquirido aos consumidores que adotaram o sistema.
A Lei nº 14.300/2022
A aprovação da Lei nº 14.300/2022 consolidou o Marco Legal da Micro e Minigeração Distribuída no Brasil, conferindo segurança jurídica ao setor. A legislação definiu prazos para a redução progressiva dos incentivos, dando origem a debates sobre o direito adquirido de consumidores que haviam aderido ao sistema sob normas anteriores.
Consumidores investiram significativamente em sistemas de geração própria com base no modelo de compensação integral da energia injetada na rede, anteriormente regulamentado. Com as mudanças promovidas pela Lei nº 14.300/2022, especialmente para novos consumidores, surgiram questionamentos sobre a permanência das condições originais para consumidores antigos.
A Lei nº 14.300/2022 enquadrou os consumidores em três grupos principais:
- GD I: Unidades com solicitação de conexão protocolada até 7 de janeiro de 2023. Esses consumidores mantêm a compensação 1:1 até 7 de janeiro de 2045.
- GD II: Unidades conectadas a partir de 8 de janeiro de 2023, sujeitas a uma cobrança progressiva sobre a TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição) Fio B, iniciando em 15% em 2023 e alcançando 90% em 2028.
- GD III: Miniusinas com solicitação de conexão a partir de 8 de janeiro de 2023, que atendem critérios específicos, como autoconsumo remoto superior a 500 kW e geração compartilhada superior a 500 kW que possua uma unidade consumidora beneficiária detendo 25% ou mais dos créditos. Essas unidades passaram a receber a cobrança imediata de 100% da TUSD Fio B, 40% da TUSD Fio A, além de TFSEE (Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica) e encargos de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento).
Dessa forma, a nova legislação restringiu e reduziu os benefícios anteriormente concedidos, o que motivou questionamentos sobre a sua legalidade em relação ao direito adquirido. Os principais argumentos se fundamentam nos seguintes pontos:
- Favoráveis: Consumidores argumentam que os investimentos realizados sob as regras anteriores criaram uma expectativa legítima de manutenção dos benefícios econômicos e da segurança jurídica.
- Contrários: Alterações são defendidas como necessárias para equilibrar os custos do setor e evitar subsídios cruzados excessivos.
Conclusão
A questão do direito adquirido no Micro e Minigeração distribuída deve ser analisada à luz da Lei nº 14.300/2022, que possui hierarquia superior às normas originárias da Resolução Normativa nº 482. Cabe ao Judiciário interpretar e harmonizar os princípios constitucionais e a legislação vigente, promovendo uma transição equilibrada e justa para um sistema elétrico mais sustentável e eficiente no Brasil.