Inovação
Que produzir alimentos e gerar energia no mesmo espaço é possível e pode gerar benefícios relevantes para as duas atividades você já sabia. Agora, vamos conhecer algumas iniciativas brasileiras?
Fonte da imagem em destaque: dezeen
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O que são sistemas agrivoltaicos?
Os sistemas agrivoltaicos, também conhecidos como agrifotovoltaicos, são uma solução que combina agricultura e energia solar. Essa tecnologia vem ganhando força no Brasil e tem potencial para revolucionar a forma como produzimos alimentos e energia. Neste post, discutiremos os principais benefícios dos sistemas agrivoltaicos, alguns cases de implementação no Brasil e desafios e oportunidades da tecnologia para os próximos anos.
Saiba mais sobre o histórico destes sistemas no post feito em 2022 no blog da Energia.coop.
Por que considerar sistemas agrivoltaicos?
A instalação de energia fotovoltaica ocupa normalmente mais espaço do que de energias oriundas de combustíveis fósseis. Os sistemas agrivoltaicos surgem como uma aplicação alternativa da geração fotovoltaica, com uma maior eficiência do uso da terra.
Além disso, a tecnologia também pode proporcionar uma maior produtividade do cultivo agrícola, ao reduzir o estresse térmico causado por alta irradiação nas horas mais quentes do dia e diminuir a necessidade de irrigação, pois o sombreamento parcial cria um microclima mais ameno e reduz a evapotranspiração das plantas. A geração de energia também pode ter benefícios, pois este microclima que é gerado proporciona um “resfriamento convectivo”, que é benéfico para os módulos fotovoltaicos – estes gostam de alta irradiação mas perdem eficiência em temperaturas muito elevadas.
Esta tecnologia representa uma excelente oportunidade para agricultores, diversificando a atividade econômica no campo e representando uma possível ferramenta para aumentar a produtividade de cultivos que se beneficiam de um sombreamento parcial, ou que sofrem com alta irradiação, secas e com efeitos das mudanças climáticas. A instalação de sistemas agrivoltaicos pode possibilitar a coleta de água da chuva a partir das estruturas fotovoltaicas e a geração de energia pode viabilizar a coleta e irrigação de água por bombeamento com bombas solares.
Contexto Internacional
A Alemanha é um dos países pioneiros no desenvolvimento da tecnologia. A nível de pesquisa, o território conta com diversos projetos em operação que fornecem dados para a validação e melhoria contínua da tecnologia. Além disso, a Alemanha se destaca quando o assunto é criação de diretrizes técnicas para sistemas agrivoltaicos. O Instituto Fraunhofer ISE e a Universidade de Hohenheim trabalharam com o Instituto Alemão de Padronização (DIN) e outros parceiros para desenvolver o padrão DIN SPEC 91434. O documento, denominado Agri-photovoltaic systems – Requirements for primary agricultural use, publicado em maio de 2021, tem como objetivo preparar um método de teste para sistemas agrivoltaicos. Assim, ele visa fornecer uma padronização de medição agrivoltaica para relatórios e documentação perante os órgãos legislativos, financiadores e as autoridades de aprovação, bem como para etapas de pós-teste e certificação dos sistemas por especialistas e organizações de certificação.
Apesar de existirem sistemas agrivoltaicos de grande porte – já existem usinas na China de mais de 700 MW por exemplo – existe um grande potencial para sistemas de pequeno porte, gerando ainda mais benefícios sociais para as famílias envolvidas. Países como o Japão, Itália e Coreia do Sul, que possuem uma pequena extensão territorial para sua população já estão investindo nos sistemas agrivoltaicos para diversificação de renda do setor agrícola. Na Coreia do Sul, por exemplo, o governo planeja construir cerca de 100.000 sistemas agrivoltaicos para gerar uma garantia de aposentadoria para os agricultores (que podem vender eletricidade para a rede) e, assim, retardar a extinção das comunidades agrícolas.
E no contexto Brasileiro?
A agricultura é extremamente importante no contexto brasileiro – o setor é responsável por cerca de um a cada 10 empregos gerados e possui grande influência no PIB do país. Além disso, a agricultura familiar representa 77% dos estabelecimentos agrícolas do Brasil. Porém, os geradores agrivoltaicos ainda não estão muito presentes no contexto nacional, com poucos projetos a nível piloto – dois no estado de Pernambuco, um em Alagoas e outro no Pará.
De acordo com as previsões do IPCC, a temperatura média no Brasil pode ficar de 3ºC a 4ºC mais quente até meados deste século. Além disso, a previsão para a região Nordeste é preocupante – as precipitações podem diminuir em até 40% e as temperaturas na região semiárida podem aumentar em média 1,5 a 2 vezes mais do que a taxa global. Dessa forma, a região possui um grande potencial para a implantação da tecnologia agrivoltaica, como também foi constatado por um estudo publicado na Revista do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.
Um projeto que exemplifica um sistema agrivoltaico para unidades familiares da região semiárida pernambucana é o Ecolume. O projeto foi desenvolvido por uma rede de mais de 40 pesquisadores e instalado em uma escola de agroecologia de Pernambuco em 2019. O modelo proposto consiste em “unidades familiares” distribuídas, que combinam a geração de energia com produção de hortaliças, peixes em tanques e galinhas, com o objetivo de gerar benefícios ambientais, sociais e econômicos a um grande número de pessoas no semiárido nordestino. Desde então, gerou resultados promissores, porém foram observados desafios estruturais, especialmente a falta de políticas públicas de incentivo.
Outro projeto piloto em solo brasileiro foi realizado em parceria com a Comunidade Indígena Pankará, em dezembro de 2020. O objetivo do projeto era fornecer: “abastecimento seguro de água potável e cultivo de hortaliças por meio de bomba d’água movida a energia solar em combinação com agrivoltaica na aldeia indígena Pankará”. O projeto está localizado na Caatinga brasileira, na região da Aldeia Serrote dos Campos, em Itacuruba (PE). De acordo com a matéria divulgada pela Atmosfair, o sombreamento oferecerá proteção para vegetais e plantas medicinais regionais do sol forte e altas temperaturas da Caatinga brasileira.
Um terceiro projeto piloto visa avaliar o desempenho da cana-de-açúcar cultivada em associação a um sistema FV. Foi desenvolvido pelo Campus de Engenharias e Ciências Agrárias da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas (Fapeal). Segundo um pesquisador do projeto, as atividades do sistema agrivoltaico no local iniciaram em dezembro de 2021.
O único projeto piloto fora da região nordeste fica localizado no Pará e está em desenvolvimento. O projeto conta com apoio da DGRV, OCB e laboratório Fotovoltaica UFSC. O sistema agrivoltaico da cooperativa CCampo foi instalado em janeiro de 2023 e combinou técnicas agrivoltaicas com práticas agroecológicas e de agricultura orgânica. Serão produzidos pimentão, couve, coentro e cebolinha. Além disso, o projeto contou com a capacitação de cooperados da cooperativa agrícola em sistemas agrivoltaicos e agricultura orgânica.
Os sistemas agrivoltaicos como no caso da cooperativa CCampo podem ser uma grande oportunidade para o cooperativismo brasileiro, uma vez que cooperativas agrícolas podem investir em sistemas agrivoltaicos e criar novos modelos de negócio de Energia Cooperativa com os créditos gerados. Os créditos de energia podem ser utilizados para reduzir a conta de energia elétrica da própria cooperativa, como também podem ser distribuídos para cooperados e outras organizações parceiras. Adicionalmente, a redução dos custos com a conta de energia pode viabilizar novos investimentos na cooperativa.
Desafios e oportunidades
Apesar dos benefícios dos sistemas agrivoltaicos, ainda existem vários desafios que precisam ser enfrentados. Um deles é o custo de implantação, que pode ser alto devido à necessidade de equipamentos e infraestrutura especializados. Além disso, há necessidade de mais pesquisas para entender as melhores configurações e características de projeto para o contexto das diferentes regiões brasileiras e a melhor forma de realizar a operação e manutenção desses sistemas.
Os sistemas agrivoltaicos têm o potencial de criar novos modelos de negócios e parcerias que podem gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais. Porém, uma outra questão de extrema importância para o desenvolvimento da tecnologia no país é a definição de diretrizes e normas que orientem a construção destes sistemas no Brasil, uma vez que os sistemas agrivoltaicos ainda são uma tecnologia recente em solo brasileiro. Os resultados práticos de projetos piloto e documentos de outros países podem servir como ferramentas para a construção de diretrizes nacionais que garantam a qualidade no planejamento, instalação e operação destes sistemas.
Autora: Laís Cassanta Vidotto (Instituto IDEAL)
Colaboração: Kathlen Schneider (Instituto IDEAL)
Publicado em 30/03/2023
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Saiba mais
Sistemas agrivoltaicos: Post Energia.coop 2022
Agrivoltaico CCampo: Matéria OCB Pará
Agrivoltaico Ecolume: Notícia 2022 IPA