Energia Cooperativa
No total, o Reino Unido conta com 319 MW de potência instalada de energia renovável. Em 2020, as 424 iniciativas de energia cooperativa identificadas na Inglaterra, País de Gales e Escócia adicionaram 8,2 MW de potência elétrica renovável, sendo que 14 delas foram criadas neste mesmo ano. Comparado com 2019, com 14,5 MW, houve uma diminuição relevante no crescimento do setor, principalmente devido à remoção de subsídios e outros suportes financeiros do governo.
O termo Community Energy é utilizado para definir este setor no Reino Unido, que no Brasil chamamos de Energia Cooperativa. Segundo a Community Energy England, o conceito pode ser definido mais especificamente como:
Community Energy refere-se à energia renovável liderada e entregue pela comunidade, projetos de redução da demanda de energia e de fornecimento de energia, sejam de propriedade integral e / ou controlada por comunidades ou por meio de parcerias comerciais ou do setor público.
(Imagem: Usinas de energia renovável pertencentes às iniciativas comunitárias | Fonte: – State of the Sector 2021)
Dentre as tecnologias utilizadas, a solar é a dominante nos projetos, com 88% da potência instalada e, em sua maioria, são projetos de pequeno porte (em média 250 kW) realizados em telhados. No último ano as iniciativas utilizaram modelos de financiamento inovadores para realizar as instalações, muitas em parceria com escolas, hospitais e empresas locais, arrecadando dinheiro por ações da comunidade, autofinanciamento por meio de projetos de geração anteriores ou por meio de empréstimos e matchfunding – método de financiamento coletivo com participação de uma empresa ou instituição. Os 12% restantes de potência instalada na região foram compostos pela turbina eólica Prouts Park de 900 kW e dois projetos hidrelétricos, um de 46 kW outro de 30 kW.
(Imagem: Números das iniciativas de energia comunitária em 2020 no Reino Unido | Fonte: Community Energy – State of the Sector 2021)
PANDEMIA DO COVID-19
O contexto de crise sanitária decorrente da pandemia do COVID-19 evidenciou a resiliência e o valor social da comunidade de energia cooperativa. No Reino Unido 83 iniciativas providenciaram apoio financeiro e social às suas comunidades locais.
No total, mais de 200 mil libras originadas de fundos comunitários das organizações foram destinadas para ações de assistência financeira em resposta à crise. Os fundos comunitários são formados com a receita excedente de projetos de energia da comunidade e a distribuição efetiva destes recursos foi possível devido à existência da rede e do alcance existentes nas organizações que trabalham de forma consistente com a comunidade.
Além da ajuda financeira, 53 organizações mobilizaram suas redes e recursos em atividades como arrecadação de medicamentos, condução de pessoas vulneráveis à vacina, redistribuição de alimentos, fornecimento gratuito de carregamento de veículos elétricos para funcionários indispensáveis e de energia gratuita para centros comunitários essenciais na resposta COVID-19.
BENEFÍCIOS SOCIAIS E CENÁRIO POLÍTICO NO REINO UNIDO
Apesar das dificuldades resultantes da pandemia do COVID-19, as iniciativas de energia cooperativa no Reino Unido impactaram mais de 358 mil pessoas. O modelo de funcionamento das iniciativas consegue manter questões sociais no centro da transição energética, sendo este um setor chave para a meta de tornar a região Emissão Zero (Net Zero) até 2050 (onde as emissões de Gases do Efeito Estufa geradas são menores do que as capturadas da atmosfera). Das 424 iniciativas, 83 também forneceram suporte financeiro e social para as comunidades locais no combate à pandemia.
A maioria destas organizações são detentoras de ativos e muitas delas proporcionam benefícios sociais mais amplos. Por exemplo, 120 organizações também se envolveram em iniciativas de educação, 125 na melhoria do meio ambiente local e 140 na concessão de financiamento para outros projetos comunitários. Além disso, o setor gerou 84 empregos formais em 2020. Mesmo representando um meio para diversos benefícios socioambientais para a comunidade, com uma declaração de emergência climática pelo parlamento do Reino Unido, e com a meta de Carbono Zero até 2050, o setor sofreu bastante com perdas de suporte fiscal e financeiro do governo.
Em 2020 o setor economizou 2,9 milhões de libras em contas dos consumidores e 893 mil libras foram investidas por iniciativas de energia cooperativa em melhorias de eficiência energética. Com os incentivos regulatórios adequados, estima-se que em 2030, a comunidade poderia economizar 150 milhões em contas de consumo de energia, redistribuir 19 milhões de libras para a economia local e criar 8.700 empregos.
Assim, o cenário político ainda é a principal barreira para o setor de energia comunitária alcançar uma transição justa. O setor sofreu particularmente com a remoção da tarifa feed-in (FiT) em 2019, o fundo de energia urbana da comunidade (apenas na Inglaterra) em 2016, o alívio fiscal para investimento social em 2017 e o incentivo aos sistemas de aquecimento não residencial por fontes renováveis (biomassa, biogás, coletores solares…) em 2021. Além disso, há incertezas sobre a continuação do Fundo de Energia da Comunidade Rural, uma fonte vital de doações na Inglaterra para energias renováveis comunitárias.
DIVERSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS
Com a diminuição dos incentivos, as organizações também estão mudando o foco de serviços. Além de energia elétrica renovável, surge uma abordagem do sistema completo, incluindo modelos de negócios inovadores em transporte de baixo carbono (76 iniciativas), eficiência energética (132 iniciativas) e sistemas de aquecimento residencial de baixo carbono (53 iniciativas).
No total, 132 iniciativas investiram em eficiência energética. Dentre os serviços oferecidos para a comunidade, alguns tiveram destaque, contemplados por um maior número de iniciativas, são eles: iluminação eficiente, redução da fuel poverty (quando famílias não conseguem cobrir custos de combustível para aquecimento), apoio financeiro, auditorias e avaliações de eficiência energética, assessoria de retrofit elétrico, isolamento térmico, troca de fornecedor de energia, workshops e engajamento online. Quanto ao planejamento futuro, 28 outras iniciativas possuem a intenção de oferecer serviços de eficiência energética nos próximos anos.
Outro serviço que ganhou bastante força entre as iniciativas foi o de transporte de baixo carbono. As 76 organizações de energia cooperativa que trabalharam com este serviço possuem 181 veículos elétricos (VE) de propriedade da comunidade e 85 pontos de carregamento de VE instalados em todo o Reino Unido.
(Foto: Estação de carregamento de veículos elétricos do Charge My Street – https://chargemystreet.co.uk/ | Fonte: Community Energy – State of the Sector 2021)
Os dados utilizados neste artigo são do relatório Community Energy State of the Sector 2021, que traz anualmente um panorama do setor de energia cooperativa no Reino Unido desde 2016. Os principais objetivos do relatório são compreender melhor o estado atual do setor, identificar áreas de crescimento e oportunidades baseadas em evidências e alimentar a base de dados robusta e acessível no setor de energia cooperativa regional.
Assim como no Reino Unido, outros países europeus como a Alemanha atuam fortemente no setor de energia cooperativa, que hoje conta com 835 cooperativas de energia renovável, segundo pesquisa realizada pela DGRV – Confederação Alemã das Cooperativas. No Brasil, a DGRV está realizando um trabalho de mapeamento das cooperativas de energia distribuída no país, que identificou em 2020, 21 usinas que totalizavam 18,3 MW de potência instalada.
Autora: Laís Cassanta Vidotto (Instituto IDEAL)
Revisão Técnica: Kathlen Schneider (Instituto IDEAL), Monica Lehmann (DGRV) e Camila Japp (DGRV)
Publicado em 23/08/2021
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Relatório completo Community Energy State of the Sector 2021
Pesquisa sobre cooperativas de energia na Alemanha
Números da energia cooperativa na geração distribuída no Brasil