Energia Cooperativa
Sabia que existem iniciativas de energia comunitária que estão fazendo a diferença em vários países do mundo?
O relatório Let Communities Lead (Deixe as comunidades liderarem, em tradução livre), publicado em novembro de 2021 reúne histórias e lições aprendidas por diversas comunidades pelo mundo cujas iniciativas visam a criação de um futuro mais sustentável através de uma mudança transformadora protagonizada por comunidades marginalizadas.
“A mudança transformadora acontece quando os marginalizados lideram a marcha para o futuro”
Conforme mostra a citação, os autores do relatório acreditam que os objetivos de desenvolvimento sustentável só poderão ser atingidos quando essas comunidades estiverem envolvidas ativamente em ações que buscam alcançá-los.
De acordo com os relatos das 16 iniciativas presentes no relatório, fica evidenciado que investimentos em sistemas de energia renovável comunitários e planejados localmente podem trazer benefícios relevantes a longo prazo para muitas outras áreas, como segurança alimentar, oportunidades socioeconômicas, saúde e abrigo, adaptação climática, resiliência comunitária, segurança, direitos humanos e democracia.
Muitas das comunidades mais atingidas pelos efeitos das mudanças climáticas e desastres naturais possuem baixa capacidade de se reconstruir e sofrem com impactos negativos por longos períodos. Dessa forma, as comunidades energéticas desempenham um papel muito relevante de um ponto de vista de justiça climática.
Estes modelos de geração comunitária de energia renovável representam um passo em direção à legitimação do direito de autodeterminação do desenvolvimento sustentável para comunidades que historicamente foram deixadas de lado e sofrem desproporcionalmente as consequências negativas da industrialização liderada por combustíveis fósseis.
Dentre as iniciativas presentes no relatório, localizadas na América Latina, África e Ásia, algumas são brasileiras e atuam gerando e distribuindo energia solar para comunidades.
Comunidade Ilha das Cinzas – Pará
A Ilha das Cinzas é uma comunidade cercada pelo rio Amazonas localizada no estado do Pará. Os próprios membros da comunidade, junto com a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (ATAIC) se organizaram para a criação de um projeto de implementação de sistemas de energia solar que será financiado pela Honnold Foundation.
As famílias que moram na ilha possuem acesso limitado a recursos como água potável e saneamento e o local não dispõe de rede de energia elétrica centralizada. Dessa forma, a energia solar possui um potencial de aumentar de forma significativa a qualidade de vida, assim como a soberania alimentar para estas famílias ribeirinhas.
Um dos objetivos do projeto é capacitar e transferir a gestão e operação do sistema para membros da comunidade. Através da capacitação de pessoas locais, torna-se possível trazer melhorias contínuas para o sistema produtivo local sem depender de agentes externos.
(Imagem: Centro comunitário com geração de energia solar | Fonte: Marcelino Guedes)
Comunidades Babilônia e Chapéu Mangueira – Rio de Janeiro
A partir das dificuldades históricas e problemas recorrentes de acesso à eletricidade nas comunidades Babilônia e Chapéu Mangueira, em 2021 foi formada a primeira cooperativa de energia solar em uma favela do Brasil. A construção do sistema, que segue o modelo de cooperativa, foi através da Revolusolar, uma organização sem fins lucrativos sediada no Rio de Janeiro que promove o desenvolvimento sustentável de comunidades de baixa renda por meio da energia solar.
A primeira iniciativa cooperativa apoiada pela Revolusolar beneficia 35 famílias locais de duas comunidades. O modelo de cooperativa de geração distribuída entra em harmonia com as tradições de coletividade, cooperação e autogestão das favelas cariocas e é projetado para ser replicável em outras comunidades do Brasil e da América Latina.
“A formação de uma equipe local capaz de instalar e manter os sistemas é essencial para o sucesso do projeto no longo prazo e para a criação de autonomia local.”
Assim como na iniciativa da Ilha das Cinzas, a Revolusolar também definiu como parte do projeto a formação de membros da comunidade para operar e realizar a manutenção dos sistemas a longo prazo. Além disso, proporcionaram também capacitação profissional para instaladores solares e educação ambiental para crianças e jovens.
(Imagem: Painéis solares são instalados na primeira cooperativa de energia em uma favela brasileira | Fonte: Revolusolar)
Cooperativas de energia enfrentando o desafio da transição energética
As cooperativas de energia renovável promovem a geração de energia descentralizada de forma participativa no Brasil. A matriz elétrica brasileira é composta majoritariamente por fontes renováveis, porém, a geração hidrelétrica, responsável por 65,2% da oferta interna do país, pode gerar impactos sociais e ambientais significativos.
Ainda, o país se encontra em uma situação de dependência elétrica de geração em larga escala, assim, esforços em diversificação e descentralização da matriz elétrica brasileira são fortemente necessários. Neste contexto, a geração distribuída, caracterizada por ser em pequena escala, conectada à rede de distribuição e próxima ao centro de consumo, entra como uma forte aliada neste processo.
Por serem organizações muito flexíveis, as cooperativas são uma boa opção para responder aos atuais desafios sociais e ambientais que incluem a geração de energia renovável em nível local e descentralizado. Dessa forma, desde que entrou em vigor a resolução normativa 687 de 2015, cooperativas de geração distribuída de energias renováveis começaram a surgir no país.
A primeira cooperativa de energia renovável fundada no Brasil foi a Coober em 2016, formada por um grupo de 23 amigos de diferentes ocupações em Paragominas, Pará. Inspirados pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, em especial o ODS 7 “Garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos”, o grupo instalou uma planta de 75 kWp com seus próprios recursos.
Na região nordeste do país, uma iniciativa de destaque é a Coopsolar (Cooperativa de Energia Solar). Sua história começou em um workshop promovido pela OCB em conjunto com a DGRV em 2017, onde um dos participantes viu no cooperativismo a oportunidade de se tornar um agente ativo na transição energética. A partir disso surgiu a motivação para ele, junto com outros indivíduos, fundar a Coopsolar mais tarde em 2019.
Outra cooperativa de energia citada no relatório é a Coopervales, que por sua vez surgiu a partir da informação da constituição da Coober. A Coopervales está localizada no Vale do Taquari, Rio Grande do Sul e possui uma usina solar de 72.5 kWp que gera energia para seus 22 cooperados.
Tanto a Coober quanto a Coopsolar e a Coopervales possuem uma motivação em comum: gerar energia limpa e sustentável coletivamente e a um preço mais acessível. Através de suas atividades as cooperativas buscam gerar benefícios para suas comunidades locais e para a sociedade em geral, sendo exemplo e inspiração para futuras iniciativas.
(Imagem: Usina da Coopervales em construção | Fonte: Coopervales)
No relatório completo (em inglês) também são explorados os desafios enfrentados pelas cooperativas de energia brasileiras, assim como as histórias de iniciativas inspiradoras de outros países.
O que é a iniciativa Let Communities Lead?
A Let Communities Lead é uma iniciativa destinada a promover conhecimento e informar a ação no domínio da energia limpa liderada por comunidades para projetos de desenvolvimento sustentável. É formada por profissionais de várias partes do mundo e pesquisadores da Arizona State University (EUA) e do Karlsruhe Institute of Technology (Alemanha).
Autora: Laís Cassanta Vidotto (Instituto IDEAL)
Revisão Técnica: Kathlen Schneider (Instituto IDEAL) e Camila Japp (DGRV)
Publicado em 04/02/2022
Saiba mais
Relatório completo: Let Communities Lead Report
Let Communities Lead: Website